3.1.12

O dia em que te esqueci

Esta carta é um ajuste de contas, uma confissão, um grito de revolta, um lamento de tristeza. Quando comecei a escrever queria esquecer-te à viva força, como quem arranca as crostas de uma ferida que ainda não sarou. O resultado foi semelhante, fiquei com a alma em carne viva. Pode existir maior clichê?


Depois da forma ignóbil e cobarde como te comportaste da última vez que estivemos juntos, nunca mais poderás ascender ao pedestal da tua suposta dignidade. Restava-te apenas aquilo que fizeste: sair pelo teu pé, ligeiramente cambaleante, de olhos postos no chão e sem olhar para trás. E eu não percebi.


Neste fim de semana fugiste porque não me querias ver. E pela primeira vez em 5 anos questionei porquê. Ainda pensei em ti todos os dias, ainda tive saudades tuas, mas saudades um do outro é algo que vamos sentir sempre. não é?

Quando duas pessoas foram tão próximas como nós, e viveram essa proximidade de uma maneira unica, aquilo a que tão raramente podemos chamar intimidade, há marcas que ficam para sempre na nossa memória, sendo por isso inútil e ingênuo, tentar apaga-las.

É mais fácil arrancar uma árvore á terra com todas as suas raizes do que esquecer a intimidade. Tu vives em mim por tudo o que representaste de bom e que foste de mau.


Deixei que voltasses a invadir o meu coração e agora chorei, não por ti, mas por mim e por ter sido tão estupida. É que tive um sonho e tu robaste-mo. Mas isso é outra historia.

Tu foste a minha grande aposta e a minha maior decepção. Mas ainda te amo profundamente, quando todos me aconselham a desistir de ti.


Uma das melhores coisas da vida é que ela muda. Nem sempre muda quando queremos ou como desejamos, mas muda. E no meu caso, porque sou uma pessoa abençoada, muda para melhor. Pelo menos acredito que assim é. E o mais importante não é aquilo que vivemos, mas aquilo em que acreditamos. Tu escolheste viver sem mim, e eu vou aprender a viver sem ti. O que sempre me neguei a fazer, mas que hoje me vi obrigada.


Apaixonamo-nos por aquilo que não conhecemos e amamos aquilo que conhecemos. Eu amei-te na medida em que te conheci, provavelmente melhor do que ninguém, enquanto tu apenas te apaixonaste? Eu conheço te demasiado bem, amei-te por tudo o que me fizeste sentir, por ser quem era e como era quando estávamos juntos:  feliz, um pouco frágil, sonhadora, dócil como nunca fui com qualquer outro homem.


Desta vez fui mais teimosa do que alguma vez tu ou eu imaginamos possível. E só desisti quando finalmente aceitei que o homem que dorme comigo todas as noites e no dia seguinte escolhe outra não pode ser o mesmo homem que sonhei ter ao meu lado. Não merece o meu amor. Aqueles que merecem as tuas lágrimas são os que nunca te fariam chorar. E foi assim que te fechei o meu coração, para sempre, acredito.


Quando amamos alguém, não perdemos só a cabeça, perdemos também o nosso coração. Ele salta para fora do peito e depois quando volta, já não é o mesmo, é outro, com cicatrizes novas. Às vezes regressa feito numa bola de trapos. É preciso reconstruí-lo com paciência e amor próprio. E outras vezes não volta, fica do outro lado da vida, na vida de quem não quis ficar ao nosso lado. Espero que esse não seja o meu caso.

Poucos sabem que muitas vezes aquilo que nos alimenta também nos mata. O meu amor louco por ti matou muitas coisas em mim.

Abri te desta vez o coração,. talvez por saber que já te perdera, não por mim, mas por ti, e porque senti que estava tudo a perder-se, mais uma vez te abri o coração e deixei-me ir, sem pensar no peso das minhas palavras. Ninguém me vê como tu, ninguém te vê como eu.


Vivi iludida durante tanto tempo, julgando que o amor era feito de grandes arrebatamentos! Até será, certamente, para os espiritos apaixonados. Momentos perdidos no tempo não enchem os dias. Noites sozinha na cama a desejar o teu corpo ao meu lado, semanas, meses anos de uma solidão povoada de segundas escolhas, até apareceres outra e outra vez, e para que??? Para me obrigares a por o meu coração ao espelho e depois desapareceres, de novo? para assegurares que o meu amor por ti se mantinha, eterno, certo, intemporal, intocável?

Tu não voltavas para mim, voltavas para ti e para ti. As minhas injecções de afecto alimentavam-te o ego. Os teus regressos serviam para marcares ainda e sempre o teu territorio. Porque não é verdade, meu AMOR, estou agora a crer que nunca houve amor. Não da tua parte.


E já que não posso voar por cima das pedras que me vão surgindo pelo caminho, guardo-as uma a uma, para construir o meu castelo. Demorei vinte anos à construí-lo, pensando que um dia viverias nele. E tu agora já não cabes lá dentro.


Este já é o dia em que te esqueci. É quando arrumamos aqueles que amamos no nosso coração e encontramos a paz que podemos dizer que tudo acabou. Sei agora que te vejo com outros olhos, ainda que eu seja sempre a mesma, aquela que te amou. A realidade é evolutiva, e as saudades também vão morrendo, porque não podemos continuar a amar aquilo que já não existe.

Quando eu disse que não conseguia esquecer-te, a verdade e que não queria esquecer-te. Só consegues quando queres.


Vou encontrar o meu próprio caminho... Afinal foste tu que me perdeste, e nenhuma outra da tua espiral que não para, será eu...

Margarida Rebelo Pinto

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