4.6.13

Antes dos três meses.


Eu não queria ser de ninguém, entende? Ou talvez não sabia. Os homens achavam que estavam se aproveitando de mim, mal sabiam eles que eu apenas estava entrando nos seus joguinhos com mesmo intuito, era pura diversão.

Às vezes aparecia aqueles que queriam pagar de protetor e queria cuidar de mim, coitados, eram os que mais passavam raiva, eu não tinha dó, sabe? Porque eu sempre deixei claro o que eu queria. Eu era rebelde, revoltada, até hoje eu não sei qual o verdadeiro motivo de tanta revolta, meus pais sempre foram legais comigo, sempre tive muitos amigos, talvez eu era só mimada demais.

Daí apareceu alguém que me quebrou, que me deixou da forma que eu costumava deixar minhas vítimas, aliás, acho que ele fez pior, foi mais cruel.

Se me perguntassem o que eu via nele, eu sem pensar muito diria que via eu mesma em uma versão masculina, uma resposta rápida e clichê. Era meu espelho, por este motivo eu achei que estaria segura, mas o que eu não parei pra pensar é que se ele era igual à mim, eu nunca estaria segura, ninguém nunca se sentiu seguro comigo, nem eu mesma. Mas eu não pensei nisso, eu estava tão focada nele, tão deslumbrada, como alguém podia ser tão legal, cara?

Eu vivi os melhores meses ao lado dele, se eu falasse aqui que foram anos, vocês logo pensariam que então ele até me aturou por muito tempo e talvez nem brincou comigo, só cansou mesmo. Mas não foram anos, foram meses, exatos doze meses, um ano, para ser mais exata.

Se eu pudesse voltar naquele dia 22 de abril, eu voltaria, não para não o conhecer, ou para mudar algo, só voltaria para poder reviver o exato momento em que eu bati os olhos nele, lá no canto do parque, sentado sozinho, tocando seu violão, ele tocava "Tom Waits - Hold On." Acho que foi exatamente o que me chamou a atenção nele, porque ele tinha a voz rouca igual, puta que pariu, aquela voz... Será que nunca mais vou escuta-la? Será mesmo que nunca mais ele ira sussurrar no meu ouvido?

Como vocês podem perceber eu não tenho raiva dele, talvez magoa, e eu sei que nos primeiros meses, antes da gente se apaixonar, ele até que gostava de mim, me achava legal, gostava de me ter por perto.

Vou explicar agora o porquê de tudo ter desandado depois dos três meses. A gente já tinha algo, nada muito esclarecido, eramos mais que amigos, e menos que namorados, ele disse que estava apaixonado por mim, e que isso não o fazia bem, foi quando pediu que eu me afastasse, claro que eu não o fiz. Mas ele o fez, ficou algumas semanas distante, até que um dia apareceu na porta de minha casa, como se nada tivesse acontecido. Eu faria o mesmo no lugar dele, mas com ele, eu não era eu, entende? Eu tratava os outros da forma que ele me tratava, mas ele eu tratava diferente, porque eu o amava.

Antes dos três meses a gente ia ao cinema, parques, agora ele não precisava ficar sozinho no parque, eu estava sempre com ele, feito Johnny e June, nunca um sem o outro. Lembro que após tocar e fumar no parque íamos para casa da tia dele, com quem ele morava, acho que da quarta vez que eu fui ele me contou um segredo, disse que eu fui a primeira garota que ele levava pra casa, teve até uma vez que a tia dele preparou um almoço pra gente, mas ele sempre deixou claro que eu era sua melhor amiga, por isso eu tinha tanta prioridade, era questão de amizade, não de amor. Antes dos três meses ele me queria por perto, porque me via como uma amiga.

Depois dos três meses, lembro o exato dia em que eu percebi que o amava, acho que pulei o estágio de estar apaixonada, porque eu tinha certeza que era amor, não apenas paixão. Bom, eu percebi que o amava da pior forma possível, eu o vi com outra no parque, ele não sabia que eu iria até o parque naquele dia, já que tinha uma prova para fazer, mas acabei indo, quando o vi com outra, meu coração desparrou, minhas pernas ficaram tremulas, e eu fiquei em choque, ele me viu e parou de beija-lá. Eu não entendo como alguém abre os olhos no meio do beijo, mas ele abriu, e no momento que abriu ele me viu. Eu não corri, não chorei, eu sentei, sentei mesmo, eu não conseguia ficar de pé, tudo doía, ele veio ao meu encontro e ficou quieto, não disse uma palavra, pelo visto a garota que ele estava percebeu a situação e foi embora. E ele continuava mudo e eu também, até que ele quebrou o silencio, dizendo que a gente não tinha nada, que não existia motivo para ciúmes. Ele tinha razão, mas mesmo assim eu continuei calada, levante-me e fui embora.

Depois disso, nada foi igual sabe? Tudo foi um saco, porque ele sabia que eu o amava, e foi quando ele começou a perceber que estava gostando de mim também. Foi quando ele começou a me tratar mal, a me ignorar. E foi assim por doze meses, até o dia em que ele resolveu ir embora, sem dizer para onde, com quem foi, se vai voltar, ele apenas deixou um bilhete, dizendo "Tu me estragastes, aliás, tu tentastes estragar-me, por isso estou à ir embora, tua presença me sufoca, estar perto de ti é agoniante, sinto-me um bobo, parece até que sou normal, tu fizeste que eu me sentisse apaixonado, foi a pior experiencia que já tive em minha vida, por isso estou afastando-me, por amar-te, um amor que nos sufoca. Não vou despedir-me dizendo "até um dia" porque não pretendo voltar. Beijos e abraços com todo amor odioso que mereces."

Foi a coisa mais linda e mais doentia que alguém já me disse, ele confessou que me amava, doeu quando eu percebi que não poderia fazer aproveito dessa confissão. Já se passaram dois anos desde a última vez que o vi, desde a última vez que o abracei, e eu ainda lembro de tudo, se eu soubesse que seria a última vez, eu teria o beijado mais intensamente, mas a gente nunca sabe essas coisas, né? Talvez não foi a última vez, talvez ele volte, como já fez antes, ele sempre ia, mas sempre voltava, das outras vezes ele não demorou tanto, mas talvez seja porque das outras vezes ele não sabia que amava-me.


Flávia Faria.

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